quinta-feira, 1 de novembro de 2012

No banheiro, não!!!

Atire o primeiro creme quem nunca guardou o shampoo na janela do banheiro, levando aquele sol direto na embalagem; ou então, quem nunca guardou medicamentos na "farmacinha" desse mesmo cômodo da casa. Na verdade, esse aparentemente inofensivo armarinho parece ter sido feito especialmente para esse fim, não é? Mas nós vamos ver aqui, que a coisa não é bem assim...

O banheiro, com ou sem o amigo chuveiro elétrico, é o campeão de calor e umidade da casa: justamente os maiores inimigos de qualquer medicamento/cosmético. Vocês podem pegar qualquer embalagem de produtos dessas classes, que irão encontrar alguma mensagem como "Conservar em local fresco e seco", "ao abrigo da luz", "proteger da umidade", ou tudo-isso-ao-mesmo-tempo-agora. E podem acreditar, o último lugar que irá oferecer essas condições de armazenamento recomendadas, é o seu armarinho. 

A umidade, além de ser uma das principais causadoras da degradação de um fármaco por hidrólise (quebra da molécula que constitui o fármaco, por ação da água, e ainda catalisada pela temperatura!), é um prato cheio para o crescimento de microrganismos. Logo, o principal constituinte do seu medicamento pode estar totalmente comprometido - ele pode ter tido sua ação anulada, ou mesmo tornada em uma substância perigosa. Cápsulas, por exemplo, são bastante higroscópicas (absorvem a umidade do ar) e tendem a sofrer deformações e ficar pegajosas. Mas qualquer outra forma farmacêutica acondicionada em ambientes muito úmidos pode sofrer alterações como manchas, colônias de fungos, alterações na cor e na textura, entre muitas outras que podem inviabilizar totalmente a sua administração.

A luz, e principalmente o calor, são ultra-mega-power vilões. A exposição à radiação UV, emitida pelo sol, é responsável por alguns dos principais mecanismos de degradação de fármacos, como oxidação e fotólise; e segundo este artigo aqui, "tanto a temperatura quanto a luz são fatores que podem iniciar a reação de auto-oxidação de moléculas orgânicas. A luz pode também oxidar os ácidos graxos presentes em óleos, resultando em substâncias voláteis com odores desagradáveis, o chamado ranço." Aquele seu shampoo, condicionador, ou qualquer coisa que você gosta de deixar na janelinha do banheiro, tomando sol direto ou indireto, e recebendo calor, pode perder suas principais funções, e até mesmo a validade pode encurtar drasticamente. Além disso, seu produto pode ter as características organolépticas (cor, consistência, cheiro) alteradas. Aquele creme anti-idade pode não reverter mais a ação do tempo sobre a pele, porque as suas substâncias ativas terão sido transformadas em outras que a gente nem sabe quais são. Quem vai querer aplicar um produto químico desconhecido sobre a pele? Quem se arrisca a tomar um comprimido que teve seu princípio ativo transformado em uma molécula que pode fazer mal, ou não ter ação nenhuma?

E não poderíamos deixar também de mencionar os aerossóis de bactérias, lançados a cada descarga! Todo um universo microbiano do seu vaso acaba sendo disperso no ar, e indo parar em qualquer superfície, pra se aproveitar do ambiente quente e úmido, e crescer à vontade. Vale salientar que muitas alterações físico-químicas e microbiológicas nos medicamentos e cosméticos são praticamente imperceptíveis. 

Portanto:

  • É recomendado que medicamentos e cosméticos, em geral, sejam mantidos em sua embalagem original, longe da luz, do calor e da umidade;
  • Alguns cremes, por terem gorduras e/ou óleos na sua composição, podem precisar ser guardados na geladeira, para evitar a degradação por oxidação. Leiam atentamente as informações sobre condições de armazenamento no rótulo;
  • Perfumes em embalagens transparentes devem ser conservados, de preferência, na própria caixa, ou em qualquer ambiente ao abrigo da luz, e protegidos do calor. Caso contrário, podem sofrer alterações no aroma e na fixação;
  • Suspensões, por serem dispersas normalmente em água filtrada, devem ser utilizadas somente no período determinado pelo fabricante, após a reconstituição: em média, de 5 a 7 dias. Após esse período, é iminente a proliferação microbiana;
  • Além do banheiro, evitem ambientes como o porta-luvas do carro, armários encostados em paredes que recebam sol direto, ou em cima da geladeira;
  • Evitem transferir comprimidos e cápsulas da sua embalagem original, para aquelas caixinhas plásticas "porta-comprimidos". Esses materiais plásticos geralmente não oferecem as condições ideais para conservar adequadamente o seu medicamento, mesmo que por um curto prazo. 

Para entender mais sobre o assunto (links recomendados):

- Portal Racine: Estudo de Estabilidade - Comparação entre a Regulação Brasileira e a Harmonizada da União Européia, do Japão e dos Estados Unidos da América (EUA) - Parte II: Fotoestabilidade
Formulário Nacional da Farmacopeia Brasileira - Principais Reações de Decomposição dos Medicamentos
- Anvisa - Guia de Estabilidade de Produtos Cosméticos (para Farmacêuticos, estudantes e curiosos da área)
- R. A. Baricatti et alDegradação hidrolítica e fotoquímica da amoxicilina na presença de β-ciclodextrina
- Portal "Farmácia Mônica" : Saiba como conservar remédios e reduzir o risco de intoxicação
- USP - FCF: Estabilidade de Medicamentos

Até mais!